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O RENASCIMENTO DO CACAU E DO CHOCOLATE DO BRASIL – Por Zélia Frangioni

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Cacau da Fazenda Bonança

Após 11 horas de voo do Brasil, cheguei ao Aeroporto de Heathrow, Londres. O oficial da imigração —que eu só posso descrever como alto, forte e sério— checou cuidadosamente meu passaporte e perguntou o motivo da minha visita: Bussiness or pleasure? Pensei por um segundo e sorri. “Ambos!” Contei que estava em Londres para ser jurada de uma competição internacional de chocolates. Ele se surpreendeu, mas imediatamente abriu um largo sorriso. “Ah, eu quero esse trabalho! Deve ser a melhor profissão do mundo!” disse, devolvendo meu passaporte. Chocolate sempre teve esse poder de encantar as pessoas no mundo todo.
Eu sempre gostei de chocolate, mas nunca foi minha intenção trabalhar nessa área. Eu era apenas uma chocólatra brasileira que achava que chocolates bons eram feitos somente por belgas e suíços, que chocolate branco não era chocolate, que chocolate amargo deveria ser realmente amargo e que o cacau brasileiro era ruim. Hoje não acredito em nada disso. A paixão pelos chocolates me levou ao hobby de colecionar e provar barras do mundo todo. A curiosidade me levou a pesquisar além do que a mídia tradicional costuma publicar e a estudar a fabricação e a degustação.
Em 2014, comecei a compartilhar num blog o que aprendia. Desde então, venho acompanhando de perto os desenvolvimentos do mercado, principalmente no nicho do chocolate bean to bar artesanal, para o qual desenvolvi um sistema de premiação, que me levou a prestar consultoria para outras competições internacionais similares. O nicho Bean to Bar, mesmo pequeno, tem influenciado o mercado do cacau no mundo todo e em especial no Brasil, cuja história recente tem capítulos de prosperidade, riqueza, crime ambiental, destruição e, agora, superação.
Chocolate é como vinho, para conhecê-lo melhor é preciso degustar muito, conhecer a fruta e seu processo de transformação. Comecei a mergulhar em tudo o que se refere aos sabores, história e ciência do cacau e do chocolate. O que antes era apenas uma guloseima, para mim passou a ser uma experiência sensorial e um novo caminho para ampliar meu conhecimento sobre as relações humanas, política e até economia. Não falo em chocolate como ingrediente, mas chocolate para consumo mesmo.

Cacau, grãos de cacau, manteiga de cacau e chocolates

Cacau no Brasil: O poder nos anos 80
Cacau não cresce em qualquer lugar. Ele precisa de clima quente e úmido. A região ideal fica até 20 graus acima e abaixo da linha do Equador. A principal região produtora de cacau no Brasil nos anos 80 era o sul do estado da Bahia, próximo à cidade de Ilhéus (e ainda é!). O cultivo de cacau começou ali no fim do século XVIII e o país chegou ao posto de segundo maior produtor do mundo nos anos 80, atrás apenas da Costa do Marfim, de acordo com o Food and Agriculture Organization of the United Nations, que registrou a produção brasileira como sendo mais de 392.000 toneladas de cacau em 1989. Consequentemente, essa região era muito próspera e os principais donos de fazendas eram ricos e poderosos.

Cacau da Fazenda Lajedo do Ouro – Bahia 2019

CACAU NO BRASIL: DECADÊNCIA NOS ANOS 90
Toda aquela prosperidade começou a desmoronar em 1990 devido a um fungo levado da Amazônia para a Bahia. O fungo é responsável pela vassoura-de-bruxa, uma praga que destrói os frutos. Investigações policiais concluíram que a introdução da vassoura-de-bruxa foi um ato proposital e criminoso, com a intenção de reduzir o poder e a riqueza dos coronéis do cacau, como eram chamados os ricos donos das maiores fazendas. Quem espalhou o fungo nos cacaueiros da Bahia não imaginou as consequências. A vassoura-de-bruxa se espalhou e aos poucos todas as fazendas foram afetadas. Estima-se que a produção caiu mais da metade nos anos seguintes, causando a perda de emprego de milhares de trabalhadores. Na tentativa de salvar suas lavouras, os donos das fazendas se endividaram e muitos tiveram que abandonar a região, que perdeu sua riqueza e poder.
Poucas famílias da região conseguiram se manter na produção de cacau em alta escala ao longo dos últimos 30 anos. Elas precisaram substituir parte da lavoura de cacau por outros cultivos, bem como também pela criação de gado. Cito aqui a história de João Tavares, porque ele representa um exemplo de persistência e excelência.
Tavares é membro da terceira geração de uma família de produtores de cacau da região de Ilhéus. Assim como eu tenho paixão por estudar chocolate, ele tem paixão por estudar cacau. Nos anos 90, na luta para salvar suas lavouras, ele e os demais produtores de cacau procuraram soluções e, com a ajuda da CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), órgão técnico do governo, fizeram dezenas de testes na tentativa de desenvolver uma técnica que protegesse os frutos ou criasse um híbrido de cacau que pudesse ser ao mesmo tempo produtivo e resistente às doenças.

Variedades de cacau: híbridos em demonstração em Ilhéus

No entanto, naquela época, o sabor do cacau era um fator de menor importância, pois a imensa maioria dos chocolates levava em suas fórmulas bastante açúcar e aromatizante, que mascaravam qualquer sabor indesejado que viesse dos grãos de cacau. Por isso, o cacau comum é considerado uma commodity, o chamado “cacau bulk”. Assim, os fazendeiros priorizavam variedades altamente produtivas em detrimento das variedades com perfis de sabores cobiçados.
Diferentemente do que normalmente se pensa, as características de sabor do chocolate são desenvolvidas nas fazendas de cacau e não nas fábricas de chocolate. As características genéticas – variedades- importam, mas o esforço humano também, como saber quando colher cada fruto, como e por quanto tempo fazer a fermentação e a secagem dos grãos. Esses processos são trabalhosos, demandam tempo e investimentos e influenciam nas notas de sabor, no amargor, na adstringência e na acidez dos grãos, que depois se refletem no chocolate. O cacau que passa pelo tratamento bem-sucedido de colheita, pós-colheita e transporte e, por isso, recebe um preço premium pelo seu perfil aromárico de qualidade é chamando de “cacau especial” ou “cacau fino”. (Fonte: Chcólatras)

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