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BÍBLIA DA SAÚDE SEXUAL FEMININA CHEGA AO BRASIL COM 50 ANOS DE ATRASO

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Que dicas uma mulher deve seguir para fazer sexo seguro em qualquer idade? Entre as práticas possíveis, quais as de baixo, médio e alto risco? A quem cabe a responsabilidade pelo método contraceptivo?
Essas e uma série de outras perguntas começam a ser respondidas nos próximos dias, sem meias-palavras e de mulheres para mulheres, na tradução e adaptação do best-seller “Our Bodies, Ourselves” (conhecido popularmente por “OBOS”), “Nossos Corpos por Nós Mesmas”. A obra original, lançada nos Estados Unidos em 1971, havia sido traduzida para 32 países, mas só agora, 50 anos depois, ganha a primeira versão em português e adaptada para a realidade brasileira.
Chamado de “clássico feminista” por jornais como o americano The New York Times e o britânico The Guardian, o livro também é considerado uma espécie de bíblia sobre saúde e sexualidade da mulher e um dos ícones do movimento feminista que ganhou corpo nos Estados Unidos na ocasião. Ele surgiu como fruto do trabalho do coletivo The Boston Women’s Health Book Collective e aborda assuntos como aborto, imagem corporal, gravidez, menopausa, parto, racismo, contracepção, reprodução, sexo seguro, violência e questões LGBTQ+. Somam-se a eles relatos de mulheres reais. A última edição conta com 927 páginas e 27 capítulos.
No Brasil, a “bíblia” reuniu um conjunto diversificado de apóstolas que decidiram traduzir e levar a palavra do OBOS para as leitoras brasileiras. Universa conversou com mulheres envolvidas com o projeto que será lançado em três volumes diferentes —o primeiro, no dia 7 de julho – e publica, com exclusividade, trechos do primeiro volume.
VERSÃO BRASILEIRA
Três grupos distintos convergiram para a publicação da obra no Brasil. Isso aconteceu em 2019, quando alunos e professoras da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) manifestaram ao coletivo responsável pela publicação do OBOS, nos Estados Unidos, a intenção de trazer a obra para o público daqui. No mesmo ano, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (CFSS), de São Paulo, faria a mesma consulta às americanas.

O grupo de Boston solicitou que o coletivo paulistano coordenasse os trabalhos com as duas universidades. A edição brasileira, traduzida e adaptada por um grupo de quase 40 pessoas, a maioria mulheres, é uma versão revista e atualizada do texto. E não só considerou serviços e aspectos culturais e jurídicos intrínsecos à realidade local, como acrescentou capítulos sobre serviços de saúde da mulher no SUS (Sistema Único de Saúde) e sobre violência obstétrica.
O movimento vai ao encontro do propósito original do livro: dotar as mulheres de informação precisa a fim de que elas possam decidir o que é melhor para elas. Nesse sentido, enxergar eventuais abusos sofridos no sistema de saúde e não ser cooptadas pelo discurso médico como única fonte de conhecimento são propósitos que o livro enfatiza.
“É um livro subversivo à medida em que trata de saúde sob uma visão não médica, com depoimentos de pessoas reais, e que, justamente por isso, devolve para nossas mãos a autonomia e o poder de fazermos escolhas informadas. Se hoje eu acho isso revolucionário, imagine nos anos 1970?”, questiona Raquel Pereira, gestora financeira do coletivo feminista e coordenadora-geral do projeto.
Evidências científicas sob perspectiva feminista Uma das responsáveis pela adaptação do best-seller à nossa realidade é a médica sanitarista Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP. Para ela, o arrojo do livro é despertar as leitoras para experimentar o próprio corpo, sem considerá-lo algo capaz de gerar dores e frustrações, mas com a possibilidade de viver ciclos: de se menstruar, ovular e desejar uma gravidez ou de manter relações sexuais livre do risco da gravidez.
“É viver cada etapa do corpo feminino, inclusive o envelhecimento, com uma perspectiva positiva, com a potencialidade de se ter prazer e satisfação com o próprio corpo, algo que a cultura misógina não admite, mas que é muito importante”, diz Simone para quem o livro é transgressor.
“O OBOS trabalha com evidências científicas e sob uma perspectiva feminista – afinal, são mulheres falando para mulheres”, diz a profissional. “Assim, fala também sobre a grande quantidade de intervenções médicas que têm baixo valor para promover saúde.”
Também atuante na adaptação da obra, a publicitária e doutora em saúde pública Beatriz Foschi, 58, reforça que a versão brasileira do OBOS se mantém uma referência em autocuidado feminino. Coube a ela a coleta de depoimentos de mulheres de variadas orientações sexuais que ilustrassem assuntos abordados pelo livro. “Ninguém no trabalho julga o que é certo e errado: são histórias de pessoas e dar voz a elas foi um grande aprendizado”, diz.
TRECHO DO CAPÍTULO “MÉTODOS CONTRACEPTIVOS”

“Nossa cultura e a mídia raramente falam sobre a responsabilidade que os homens deveriam ter na prevenção de ISTs e gravidez não planejada. As informações veiculadas sobre contracepção são destinadas às mulheres e, muitas vezes, ignoram o impacto que o sexo sem proteção pode ter nos homens. Usar camisinha peniana é a maneira mais fácil que os homens podem encontrar de participar do processo de contracepção, mas eles precisam estar dispostos a fazê-lo. Alguns homens não estão interessados em usá-la, pois ouvem falar que não é coisa de homem ou então possuem ideias preconcebidas de que o sexo não é tão bom com camisinha. Essas atitudes revelam falta de educação sexual e falta de respeito de educação sexual e falta de respeito pelas parceiras, além de eximir os homens de assumirem responsabilidade por suas ações.
“Além de comprar e usar camisinha, eles também podem ajudar a pagar eventuais consultas médicas ou medicamentos; fazer parte da decisão em investir em um método contraceptivo reversível de longa duração; ajudar a lembrar de tomar a pílula todos os dias se esse for o método escolhido; ajudar a retirar o diafragma ou a inserir o espermicida e verificar se esses produtos estão acabando.”
DESAFIOS DA TRADUÇÃO
Entre os capítulos traduzidos pela equipe da Unicamp, havia temas como anatomia, reprodução e ciclo menstrual, mas sob uma abordagem que delega à mulher a autoridade sobre o próprio corpo. Em vez da ilustração de uma vagina, por exemplo, entra a orientação para que a leitora, munida de um espelho, conheça, o próprio órgão sexual.
“Algumas coisas impactaram mais a equipe, em um primeiro momento, especialmente sobre o falar de igual para igual com o médico, fazer perguntas e questionar o uso de medicamentos em função dos efeitos colaterais, por exemplo”, diz a professora Érica Lima, coordenadora da tradução pelo grupo da Unicamp.
Outra preocupação da tradução foi quanto à adoção de uma linguagem inclusiva, mas não neutra —trocando termos que, em português, seriam masculinos, como médicos, por outros, como classe ou equipe médica—, a fim de que o maior número possível de mulheres pudesse ser atingido pela obra.
“Na tradução, buscamos usar estratégias que contrariassem a binaridade da língua portuguesa e adotamos uma linguagem mais inclusiva possível”, diz a coordenadora dos trabalhos na UFRJ, Janine Pimentel, líder do Núcleo de Estudos de Tradução da universidade. Janine explica que foi dado poder às equipes de tradução e adaptação para que ajustes capazes de ligar a obra à realidade atual brasileira fossem efetivamente executados.
Indagada sobre a repercussão que a adaptação brasileira venha a adquirir, em tempos de patrulhamento ideológico exacerbado, a professora admitiu: “Receamos que venha alguma reação, sim, mas o livro é tão urgente e necessário que só nos resta ter muita coragem e dar o nosso melhor por algo que, mesmo vindo tarde, segue fundamental. Sabemos o quão importantes e valiosos são esse trabalho e tudo o que ele representa.”
Raquel Pereira, coordenadora-geral do projeto e coordenadora administrativo-financeira do coletivo brasileiro, reforça: “Esse é um desafio que estamos dispostas a enfrentar. Desde a linguística até os capítulos escolhidos para esse primeiro volume, tudo é uma forma de luta, de resistência, de militância, de empoderar as mulheres com informação precisa para que elas possam decidir melhor por elas – por nós – mesmas. Afinal, informação é poder”.

TRECHO DO CAPÍTULO “IMAGEM CORPORAL”
Por causa do foco intenso na forma física, nossos sentimentos sobre nosso peso muitas vezes se entrelaçam com o que sentimos sobre nós mesmas. “Pareço gorda?” é um mantra dito por muitas mulheres, mas, no fundo, tem pouco a ver com o peso. Pesquisadoras descobriram que mulheres jovens se expressam com frequência através daquilo que se chama “conversa sobre estar gorda”. Em tais diálogos, como uma maneira de nos conectarmos com nossas colegas, falamos sobre o corpo de modo autodepreciativo, com a conversa sobre o peso substituindo uma fala voltada para os sentimentos. “Estou tão gorda” normalmente significa “Estou deprimida” ou “A minha vida está fora de controle”. Em troca, as amigas geralmente asseguram à menina que ela está magra, aumentando assim a sua autoestima. Tal conversa pode levar algumas garotas do estágio inicial a um estágio avançado no espectro de distúrbios alimentares.
VOLUMES E LANÇAMENTO
O livro “Nossos Corpos por Nós Mesmas” vai contemplar sete capítulos: Nossos corpos femininos – anatomia sexual, reprodução e ciclo menstrual; Imagem Corporal; Métodos Contraceptivos; Sexo mais seguro; Aborto; Violência contra as mulheres no Brasil e Saúde ambiental e das trabalhadoras.
O segundo volume -com temas como introdução à saúde sexual, identidade de gênero e orientação sexual, gravidez e parto- deve ser lançado até o fim do ano. O terceiro e último, que abordará infertilidade, menopausa e ativismo no século 21, tem previsão de lançamento para 2022.
O livro está à venda no site do Grupo Estante. Com o custo de R$ 45, o lucro da venda da obra será revertido a iniciativas de defesa da mulher no Brasil. (Fonte: Universa)

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