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NASCE BRASÍLIA. SESSENTA E QUATRO ANOS DE UMA IDÉIA FELIZ

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Foram três longos dias de festa. E teve de tudo. De baile de gala a corrida de carros em pleno Eixo Monumental. Celebração de missa a cascata de fogos de artifícios, uma novidade para muitos até então. Quem presenciou, tem as imagens gravadas na memória como se fosse hoje. Estima-se que mais de 200 mil pessoas acompanharam as solenidades. Grande parte varou a noite sem pregar os olhos.
A inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, há exatos 62 anos, foi um acontecimento, embora muitos daqueles que já moravam na cidade, bem como parte do resto do país, não acreditassem que aquela ousadia ou “loucura” do presidente Juscelino Kubistchek, como diziam os desafetos, fosse dar certo. E deu.
Segundo dados do Censo daquele ano, a população da nova capital girava em torno de 140 mil pessoas. Desse número, mais de 87 mil eram homens, em sua maioria, trabalhadores que vieram prestar serviço nas várias obras espalhadas pelo local. Tanto quanto as mulheres, estimadas à época em 53 mil, a idade média desses primeiros a chegarem era 22 anos.

Algumas pessoas não estavam convencidas, nem as que moravam aqui”, lembra hoje a coreógrafa Gisèle Santoro, 81 anos. “Tinha algumas construções, mas você olhava para os lados e não tinha nada. Para ir ao Lago Sul, dava-se uma volta danada, porque não tinha a ponte e as mansões pareciam mais distantes”. Gisèle teve o privilégio de dançar em cima do Congresso Nacional no dia da festa. “Eram uns 12 bailarinos, chegamos num avião da FAB, e, como tinha chovido, a cidade era só lama. Dançamos na parte de cima do Congresso, com a orquestra embaixo, e a iluminação foi um espetáculo.”

E foi mesmo. Podia-se ver o clarão dos efeitos de luzes ao longe. Luzes que anunciavam, metaforicamente, o alvorecer de um novo Brasil. Um Brasil comprometido com o progresso e o desenvolvimento, e cujo símbolo dessa nova identidade nacional recaía exatamente sobre Brasília, a cidade moderna e futurista construída no coração do Planalto Central, prometendo ligar o país de Norte a Sul, do Oiapoque ao Chuí.
Daí as lágrimas sinceras e convulsivas derramadas por Juscelino Kubistchek um dia antes, no primeiro dia das celebrações, durante a missa solene celebrada por dom Manuel Gonçalves Cerejeira. Uma cena que despertou atenção do vice João Goulart, sentado ao seu lado, e foi registrada em flagrante marcante.

“Só vi meu pai chorar em duas ocasiões: na morte de familiares e na inauguração de Brasília”, diria mais tarde a filha de JK, Maria Estela.
Era um pranto de alívio, misturado com alegria. Afinal, concretizava-se ali o projeto de toda uma vida, de uma carreira, a realização de uma utopia que nasceu de um presidente que desafiou o impossível.
A transferência da nova capital para o coração do país foi encarada por JK em “sua mais importante batalha travada em vida pública”, como destacou o jornalista e historiador Ronaldo Costa Couto. “A inauguração da cidade tem profundo significado histórico pelo fato em si e por incluir a transferência simultânea da capital, sinalizar afirmação nacional para dentro e para fora, apontar novos rumos”, escreve Ronaldo no livro Brasília Kubitschek de Oliveira.


SIMBOLOGIA HISTÓRICA
As festividades tiveram início, oficialmente, às 16h, numa quarta-feira (20), na Praça dos Três Poderes, com o presidente da Novacap, Israel Pinheiro – o homem que comandou operários durantes as obras –, entregando as chaves da cidade ao presidente JK. Com a autoridade de quem seria, futuramente, o primeiro “prefeito” de Brasília, o carrancudo “Dr. Israel” aproveitou a oportunidade para alfinetar opositores: “Brasília é obra do civismo sadio, de otimismo criador, de ânimo pioneiro, (…) de iniciativas que rasgam os largos caminhos de um futuro que o Brasil reclama com impaciência, com ímpeto jovem, com fome de renovação.


O espírito de Brasília é tudo o que há de contrário ao derrotismo sistemático”. Marcada para a noite, a celebração religiosa tem caráter simbólico por dois motivos. No altar improvisado armado na Praça dos Três Poderes, destaca-se uma relíquia vinda de Braga, Portugal: a cruz de metal usada na Missa da Descoberta, celebrada por Frei Henrique de Coimbra havia 460 anos, em 26 de abril de 1500, na baía de Porto Seguro, poucos dias depois do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
A peça sacra passa a ideia de um novo nascimento, de batismo renovado. À meia-noite em ponto, na noite calma e reluzente da nova capital, soa o repique do velho sino que tocou pela morte de Tiradentes em 21 de abril de 1792. O artefato histórico fora trazido de Ouro Preto, cidade historicamente irmã de Diamantina, terra natal de JK.

AO CORAÇÃO DO BRASIL
Finalmente chega o dia da inauguração. Os poucos hotéis existentes da cidade estavam apinhados de gente. As pessoas que tinham casa alugavam um quarto, às vezes até o carro da família. Como a mãe era funcionária do Congresso, Gisèle
Santoro, a jovem bailarina que dançou sobre as hastes do poder, dormiu num apartamento da 305 Sul. “Os outros dançarinos foram para um alojamento, e, no dia seguinte, todos pegamos o voo da FAB de volta para o Rio de Janeiro”, rebobina a artista.
Há relato de várias aventuras realizadas para se chegar ao coração do Planalto Central. Depois de 240 dias de viagem dos Pampas até o Cerrado, o gaúcho Francisco Alves chega com a mulher e quatro filhos para a festa. Meio que simbolizando um ritual de passagem, de entrega da tocha, uma coluna de Corpo de Fuzileiros Navais percorre mais de mil quilômetros.
É a distância que separa as duas capitais – a antiga, Rio de Janeiro, e a nova, Brasília. Uma distância maior, de quase 3 mil quilômetros, foi percorrida pelo casal argentino Mercedes e Hugo Urquiza, que, de jipe, levaram 48 dias para realizar a lendária saga.


“Era o nosso batismo de fogo para um mundo novo e desconhecido”, escreveu Mercedes em seu livro de memórias, A Trilha do Jaguar – Na Alvorada de Brasília, lançado em abril de 2018. “Com o peito apertado, partimos para nunca mais voltar”, narra ela, que participou da recepção de gala oferecida pelo presidente JK, no Palácio do Planalto, após a festa popular que aconteceu na Praça dos Três Poderes.
Entre os três mil convidados, além do corpo diplomático, ministros de estado e autoridades federais, havia alguns opositores. Então governador da Bahia, Juracy Magalhães chegou ao Palácio com um presente especial para JK: uma gravata quadriculada em preto e branco, que trouxera dos Estados Unidos.
O adereço luxuoso era fruto de uma aposta perdida que fizera com o presidente, quando sustentou que o chefe de Estado não entregaria a capital dentro do prazo. Reza a lenda que o estilista Dener Pamplona de Abreu, pioneiro da moda no país, se encarregou pessoalmente da criação do vestido da primeira-dama, Sarah Kubistchek.


Era um modelo tomara que caia de organza de seda pura branca distribuída em 12 metros de tecido. A cereja do bolo seriam os cinco mil cristais, vidrilhos e lantejoulas arranjados em bordados florais. Uma pena que toda essa pompa e imponência conferida ao evento tenha se perdido um pouco por conta do lameiro que virou a cidade. “Entre eles [os convidados], naturalmente, [estavam] as maiores socialites do Rio de Janeiro – acompanhadas dos mais famosos cabeleireiros – que, apesar de lamentar a saída da capital, reconheciam a maravilha daquele momento”, escreve Mercedes Urquiza em seu livro.
NOS BRAÇOS DO POVO
Naquela noite, uma frase sincera e pragmática proferida pela mãe de JK, Júlia, à nora, pouco depois de contemplar demoradamente a cidade, encheria o
presidente de êxtase e orgulho. “Só o Nonô mesmo seria capaz de fazer tudo isso”, disse a octogenária, no auge de sua sabedoria mineira.

Após a cerimônia de gala, simples como sempre foi, JK se desnudou da ostentação do poder e, descendo a rampa do Palácio do Planalto, se deixou cair nos braços do povo. Testemunha ocular desse momento, o jornalista e analista político André Gustavo Stumpf não se esqueceu do que registrou. “Nunca vi nada parecido em termos de alegria.
Pessoas humildes se ajoelhavam diante dele. Beijavam-lhe as mãos. E Juscelino ria e abraçava tudo mundo. Não sabia o que fazer. Era a imagem de uma felicidade radiante”, contou, em depoimento publicado no livro Brasília Kubistchek de Oliveira, de Ronaldo Costa Couto. (Fonte: agenciabrasilia.df.gov.br)

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