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AS REVELAÇÕES DE EDUARDO CUNHA SOBRE OS BASTIDORES DO IMPEACHMENT DE DILMA – PARTE III – FINAL

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CERCADO - Cunha no dia da prisão: ele responde a dez processos e já tem duas condenações – Heuler Andrey/AFP.

Dilma, por óbvio, também se destaca na obra. Cunha atribui a ela um ódio mortal contra sua pessoa, mas revela que, em meio à guerra, viveu cordiais momentos de armistício com a petista, como numa ocasião em que foi jantar com sua mulher, Claudia Cruz, no Palácio da Alvorada. “Foi bem agradável. Dilma e minha esposa se deram bem. Ambas gostavam de andar de bicicleta e passaram até a trocar mensagens por WhatsApp e se falarem. Depois, minha esposa lhe mandou de presente um capacete para pedalar, que passou a ser o que Dilma usava sempre.” Cunha atribui a Dilma uma inabilidade política letal, característica reconhecida até por seus pares, inclusive Lula. Na reunião secreta na mansão de Joesley em São Paulo, relatada por Eduardo Cunha, Lula teria abaixado a guarda. “Então ele apelou para que encontrássemos uma saída para a questão, dizendo que o impeachment seria muito ruim para o país. Respondi que isso seria impossível (…). Comprometeu-se a tratar com Dilma a situação da minha mulher e da minha filha, a fim de tentar reverter no STF o envio das investigações para Curitiba. Sinceramente, eu não acreditava nisso. E, acho, nem ele”, conta. De acordo com Cunha, durante a conversa, Lula deu a medida do que pensava sobre sua sucessora: “Então, o ex-presidente fez um desabafo surpreendente. Contendo o choro, Lula disse que o maior erro que ele havia cometido na vida foi ter permitido que Dilma se candidatasse à reeleição”. Procurados por VEJA, Lula e Dilma não quiseram conceder entrevistas.
Em sua metralhadora giratória, o ex-parlamentar aponta também na direção de ex-integrantes do Conselho de Ética da Câmara que teriam tentado extorqui-lo. Cunha acusa o então presidente do colegiado, o ex-deputado José Carlos Araújo, de lhe pedir 3 milhões de reais para a campanha seguinte, por meio do também ex-deputado Sandro Mabel. Se topasse, poderia interferir na escolha do relator de seu processo no colegiado. “Essa história é mentirosa. Nunca conversei com o Mabel sobre isso”, rebate Araújo. O relator, que depois viria a ser substituído, Fausto Pinato, também exigiu dinheiro em troca de facilidades, segundo Cunha: “Fausto Pinato estava disposto a arquivar, segundo o que me trazia o deputado André Moura, que se tornou o meu interlocutor com ele. Só que, oportunista, pediu, por intermédio de Moura, 5 milhões de reais”. Pinato mostra-se indignado com a história. “Vou ter de processar Cunha. É muito fácil ficar preso, condenado, e, depois que está enterrado politicamente, ficar falando. Por que não falou na época?”, afirma. Moura, por sua vez, garante que jamais houve esse pedido e que nunca levou tal demanda a Cunha. Outra tentativa, de acordo com o autor do livro, teria partido do folclórico Wladimir Costa — o insólito ex-de­putado que chegou a exibir uma tatuagem no braço em homenagem a Temer, então presidente, e depois se descobriu que seria de henna. “Sofri com o deputado Wladimir Costa (…). Ele queria 2 milhões de reais.” Segundo Cunha, nenhum valor foi pago.

HERDEIRA - Danielle: a coautora será candidata a deputada em 2022 – Pedro Ladeira/Folhapress/.

Um dos mais surpreendentes trechos de Tchau, Querida aborda a relação das Forças Armadas com Dilma. À essa altura, Cunha levanta uma grave suspeita sobre o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas. Em uma viagem em companhia do militar à Amazônia, o ex-deputado chegou à conclusão de que o general recebia informações sobre cada passo da petista. “Ele demonstrava conhecer a rotina do palácio com uma desenvoltura que não seria possível sem fontes internas (…). A conclusão a que eu cheguei era que Dilma não sabia, mas era vigiada o tempo todo dentro do palácio. Até visitas que recebia, telefonemas a que atendia, tudo era do conhecimento dos militares.”

Derrotado por uma margem pequena de votos na eleição de 2014, o tucano Aécio Neves também aparece na narrativa, inicialmente bastante resistente ao impeachment. Segundo Cunha, o político mineiro apostava suas fichas no processo de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE. A ideia é que isso permitiria a realização de novas eleições, que ele imaginava vencer. Ao perceber que esse processo demoraria mais tempo do que pensava, acabou engrossando as fileiras em torno do esforço para apear a petista do Palácio do Planalto. A relação entre Cunha e Aécio é de desconfiança mútua, segundo a obra. Exemplo disso é o trecho em que Cunha acusa o tucano de ter acesso e repassar dados secretos. Numa conversa entre os dois, Aécio teria dito ter conhecimento de que um delator da Lava-Jato havia mudado seu depoimento e incriminado Cunha. Na visão do ex-deputado, foi puro jogo de cena. O emedebista põe o vazamento da informação sigilosa na conta do procurador José Bonifácio Andrada, que seria ligado ao tucano. A VEJA, Aécio disse que as declarações “são fantasias e não merecem sequer comentários”. Andrada, por sua vez, afirma nunca ter conversado com ninguém sobre o tema e que não atuou na Lava-Jato.
Embora tenha mirado sua pena para tentar reconstruir o passado, Cunha também usa o livro para fazer acenos aos protagonistas do presente e pavimentar o futuro. Ele deixa clara sua simpatia por Jair Bolsonaro ao frisar o papel do atual presidente na queda de Dilma, embora o capitão, à época um deputado do baixo clero, não tenha participado de nenhuma articulação. “Aliás, devemos registrar que o primeiro pedido de impeachment de Dilma no seu segundo mandato coube ao então deputado Jair Bolsonaro, em 13 de março de 2015, em função das denúncias de corrupção na Petrobras. Eu rejeitei seu pedido, sendo que, de todos os pedidos de impeachment por mim rejeitados, Bolsonaro foi o único que recorreu contra a minha decisão ao plenário”, acaricia Cunha. Também fez questão de lembrar que arquivou um pedido de abertura de processo disciplinar contra Bolsonaro pelos ataques à petista Maria do Rosário. No livro, Cunha chama as agressões de “confusão”. Ele ainda aproveita para lançar a candidatura de sua herdeira e coautora para 2022. E ela própria admite que estará alinhada ao bolsonarismo no ano que vem. “Eu não acredito na terceira via. Por isso me vejo na corrente de direita já no primeiro turno”, afirma Danielle, que pretende concorrer a uma vaga de deputada federal. Como se vê, as memórias de Cunha jogam luzes sobre um momento histórico importante — fatos que até hoje fazem eco nos lances atuais da política nacional. Em tempo: ele já começou a rascunhar as primeiras linhas do próximo livro.
Com reportagem de Juliana Castro e Eduardo Gonçalves.
Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732

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